Reflexão

O leite materno e a palavra de Deus
Num momento em que Londrina comemora por ser pioneira no incentivo à amamentação, me veio a lembrança da solenidade realizada em fevereiro de 1.991 quando o Hospital Evangélico recebeu o título de “ Hospital Amigo da Criança”. Na ocasião fui convidado para proferir o sermão que disponibilizo agora para todos.

Rev. Gerson Araujo

“Desejai como crianças recém-nascidas, o leite espiritual, isento de toda mentira, afim de que, por ele vades crescendo para a salvação”.


Dados estatísticos da Unicef para este ano ( 1.991), mostram que de cada mil crianças, 46 morrem no Brasil. Neste ano morreram 247 mil crianças, o equivalente a dois estádios do Morumbi lotados
Considerando este fato, creio que nosso hospital está recebendo um dos mais importantes títulos, o de “amigo da criança”, por estar colaborando para reverter o triste quadro.

E uma das razões, se não a principal, é pelo incentivo, feito de forma técnica, cientifica, mas humana e amorosa, do aleitamento materno. Resta a nós agradecer a Deus, em cujo seio toda humanidade suga a vida, reportando-nos à importância dada pela palavra de Deus ao valor do leite materno, comparando-o ao elemento espiritual capaz de fazer-nos crescer para a salvação.

Tanto é que o Apóstolo Pedro, no versículo citado diz: “desejai ardentemente como criança recém-nascida... “. E não existe figura mais linda do que a criança esperando a mamada como se fosse a última coisa que faria na vida, pois a mãe, é, naquele momento, a única fonte de satisfação dela, como Deus é de cada ser humano.

Ruben Alves, em seu livro Tempos Fujit chama a nossa atenção para um fato que, pelo menos para mim, havia passado despercebido. De que o colo mais gostoso é da mãe, onde se escuta belas estórias para dormir. Só que as estórias que embalaram nosso sono colocam as mães muito longe: a mãe da Branca de Neve morre quando ela nasce. Na Cinderela a estória começa com a morte da mãe, e surge a madrasta. Em outras, as mães nem aparecem ou são sádicas como no caso do Chapeuzinho Vermelho onde a mãe manda-a sozinha à floresta sabendo que lá havia um lobo mau, ou em João e Maria que ouvem, aterrorizados o plano dos pais para matá-los. Parece estranho, não?

Para Ruben Alves, “o segredo, talvez esteja no fato de que elas contam, no fundo, a nossa própria história: somos crianças perdidas na floresta, aterrorizados pela noite que se aproxima, por fora e por dentro, sendo inúteis todos os gritos”.

Dai a necessidade do seio materno para a criança e de Deus para o homem. O desejar ardentemente de que fala Pedro tem a ver com nostalgia, saudade de... Essa busca incessante do ser humano desta fonte de satisfação, muitas vezes não reconhecida pelo homem, metido a auto-suficiente, mas irremediavelmente perdido nesta floresta existencial. Ele nem sabe, as vezes, que necessita do colo e do bico do seio de Deus, e parte para a busca em outras fontes. Mas Pedro fala em “ leite puro”, no original grego “ adolos”, sem dolo, e numa outra tradução, isento de toda mentira.

Mas, por outro lado, é a criança que chora, à busca do colo para se aconchegar, por outro, Deus providenciou exatamente uma criança, que ao nascer, e morrer deu a vida a todos quantos perdidos, ansiavam que lhes ouvissem os gritos.

E peço licença para, mais uma vez, recordar um outro texto de Ruben Alves, agora extraído de seu livro “O Pai Nosso”, e que sintetiza a razão de ser de estarmos agora aqui comemorando, e que seja a grande lição para nossa vida: “ No silêncio da noite a criancinha chora. Acho que está com fome, diz a mãe. E ela toma o seu próprio corpo, o seu seio eu e oferece àquele corpinho que nada conhece deste mundo, a não ser a fome. A boca, obediente à fome e à vida, suga o sangue branco, leite... Vida para quem tem fome, para quem não pode viver sem o seio que se oferece, dádiva de um corpo a outro...”

Assim o corpo de uma mulher alimenta o Deus-menino..... Deus com fome. Deus que morre se o corpo não lhe for oferecido por comida. Primeira eucaristia, invertida, eucaristia de natal:recebemos no colo o Deus faminto e lhe dizemos: Aqui está o meu corpo, aqui esta o meu sangue. Leite materno. Vida de todas as crianças. Suga. Bebe. Mata tua fome. Vive. Deus faminto. Faminto de homens e mulheres de carne e osso.

Que nós tenhamos fome de Deus é compreensível. Mas que Deus tenha fome de nós e que seu corpo se esvazie e morra se o seio não for oferecido ao nenezinho, é ideia insólita e que nos faz tremer. Somos a comida para o corpo de Deus.

Humanidade/madona/mãe, de cujo ventre nasce, em cujo colo se deita o Deus-criança, com fome...Natal. Foi por isso que Jesus disse; “ O Rei, respondendo lhes dirá: em verdade vos afirmo que sempre que o fizestes a um deste meus pequeninos. A mim o fizestes”.


Meus 60 e poucos anos
“Ensina-nos a contar os nossos dias, para que alcancemos coração sábio”. (Sal.90.12)

Rev.Gerson Araujo

O homem vive um eterno dilema: quer continuar vivendo mas abomina a idéia de ficar velho. Além do desgaste natural provocado pela idade, ainda é obrigado a enfrentar os naturais preconceitos em relação aos que atingem alguns anos a mais.

Ao completar 50 anos, recebi um bonito cartão “lembrando-me” que acabara de
completar “meio século” (fiquei mais velho ainda), e um outro, mais engraçado (procurei encarar por este prisma) que me chamava a atenção para o fato de que a minha idade, somada às de meus companheiros de turma, dava para “ fazer pelo menos meia múmia).


Mas fui salvo pela minha caçula que, num repente de preocupação com o meu
estado, afirmou que eu poderia ficar tranqüilo pois só estava completando “ 5 décadas”. Maneiras alegres, descontraídas, mas não menos verdadeiras de fazer-nos confrontar com a realidade.

Completei 60 anos. Aqui a coisa complica um pouco mais porque, além de tudo, virei Sexagenário, e isto é nome que se dê a uma pessoa, apenas porque ela cometeu a ousadia de continuar vivendo? Brincadeiras à parte, vamos à verdadeira razão deste escrito: o privilégio e as vantagens dessa maioridade.

Só se dá real valor a um fato quando, por qualquer razão, se teve o prazer ou o desprazer de vivenciar o seu contrário, o seu oposto. Nem todas as pessoas dão o devido valor à sua saúde até que tomadas por uma doença. Um trabalho menosprezado adquire grande importância na iminência do desemprego. A vida assume nova dimensão na expectativa da morte.

Nós, os sessentões, participando, ainda com saúde e lucidez, das maravilhas do início do terceiro milênio, tivemos o privilégio de viver uma época, que não vai muito distante, em que as descobertas deste período eram apenas objeto da ficção literária ou científica. Ocorreram muito mais mudanças nestes anos do que em todos os séculos anteriores. 

Nossos filhos já nasceram em meio a estas transformações e nem lhes passa pela cabeça como foram a nossa infância e adolescência, cheias de muita liberdade, segurança, mas com muito pouco conforto.

Valoriza uma estrada ou uma rua asfaltada quem andou na lama, levando tombos nos dias de chuva e carregando na sola do sapato uma enorme quantidade de barro que era raspado no “limpa pé” para se poder entrar em casa, ou comendo pó andando de carro ou de ônibus por quilômetros e quilômetros de estradas esburacadas.

Valoriza a iluminação que temos hoje – apesar dos apagões – quem conviveu com os famosos “tomatinhos”  que só clareavam após as 22.00 horas, quando a grande maioria já estava dormindo.

E a comunicação? Admira o que se tem hoje nesta área quem, como eu, estudando em S.Paulo, precisasse falar com a família no Paraná. Ligava para um tio, pois a minha família nem telefone tinha, mas, para isto era preciso acordar cedo, pegar o trem e ir até a Estação Sorocabana e esperar pelo menos 8 horas para que se completasse a ligação.

Computador, Internet, nem pensar! Pela precariedade das estradas viajava-se muito de trem, que demorava quase 24 horas de Londrina a S. Paulo. E no começo, com a tal da “Maria Fumaça”que jogava carvão nos olhos de quem, como eu, gostava de viajar na plataforma, o que era proibido.

E a televisão? Hoje a gente se extasia com tantos canais e variedades de programas. Naquele tempo só os mais abastados e ainda os que residiam em S. Paulo ou no Rio de Janeiro, e, mesmo assim, a famosa branco e preto.. Já usávamos o rádio, enorme, com grandes válvulas  e, mais tarde, o rádio a pilha, já com algum avanço tecnológico. A geladeira era privilégio das famílias da chamada classe alta.

Acordava-se cedo para cortar lenha e acender o fogo, cuja dificuldade aumentava se, por ventura, estivesse chovendo. O gás não demorou muito para ser utilizado. E a limpeza do chão? Era um “deus nos acuda”. Primeiro o escovão com uma palha de aço em baixo para limpar bem, a vassoura para tirar o pó e depois a cera vermelha, que as mães obrigavam a gente a passar direitinho, centímetro por centímetro.
As mãos e os joelhos ficavam bem sujos. Acabava aí? Que nada! Ainda precisava lustrar. Era o mesmo escovão, agora com uma flanela ou um tecido de lã por baixo e lá íamos nós, de novo, muitas vezes com um feliz irmãozinho menor montado para pesar mais e assim aumentar o brilho.

Mas aí veio a enceradeira elétrica. No começo a gente brigava para dar o lustro final, só que, determinadas mães, mais exigentes um pouco, na  realidade mais chatas, exigiam que se passasse, no novo, o escovão, para tirar as “ondas” que a enceradeira deixava.

Partindo do princípio de que a vida média do homem de hoje é de 80 anos e das mulheres (pasmem) é de quase 100, ainda veremos coisas espetaculares na área da informática, da engenharia genética e de muitas outras. Vejam que maravilha!

As grandes liberdades políticas que hoje desfrutamos foram conquistadas pela
coragem e determinação dos jovens que enfrentaram governos, polícia e todas as forças conservadoras do status quo. Revolução dos costumes, das artes, da própria religião, como base para muitas coisas boas que os jovens de hoje desfrutam, razão pela qual, de vez em quando, em reuniões festivas, faz-se questão de reviver os chamados “ anos dourados”.

Estas e outras muitas razões me fazem profundamente feliz por estar, neste ano, completando 69 anos. Tenho todos os motivos para agradecer a Deus o ter me preservado até aqui.



 "...se és filho de Deus, desce da cruz" ( Mateus 28:40)
Rev. Gerson Araujo
Terrível tentação deve ter sentido Jesus, ao ouvir estas palavras. Os discípulos o haviam abandonado. Daquela multidão que, uma semana antes, estendia tapetes de flores para ele passar, alguns fugiram apavorados e outros estavam ali escarnecendo dele.

E ele sabia, que a um simples pedido seu, o Pai varreria para o inferno aquela multidão ululante, simplesmente preocupada em preservar sua posição junto às autoridades, tanto romanas como judaicas. 

Mas ele sabia também, e principalmente, que o Pai amava aquela multidão e que sua missão ali estava sendo cumprida exatamente por morrer por ela, tanto é que uma das poucas palavras ditas na cruz foi a de pedir: “...perdoa-lhes por que não sabem o que fazem”.

Almoçando com uma senhora na chamada Sexta Feira Santa, antes da oração de agradecimento assim ela se expressou: “Precisamos orar pois hoje comemoramos a maior tragédia de todos os tempos...”, o que me permitiu completar: “...e que se transformou na maior bênção de todos os tempos”. E isto porque Jesus não aceitou a terrível sugestão daquela infeliz
criatura.


Sim, ele não desceu da cruz porque fosse incapaz, mas porque aceitou o desafia de Deus até suas últimas consequências. Se ele aceitasse o desafio do “desce da cruz” a humanidade perderia a oportunidade da salvação e estaria ainda imersa na maior escuridão, sem perspectiva de liberdade. Mas ele suportou a pressão.


Muitas vezes, no nosso dia-a-dia, somos tentados a desistir diante de inúmeras pressões: nossos esforços são inúteis; os amigos já não merecem confiança; nossos ideais são colocados abaixo, não dá para suportar.
Aí, então, ouvimos as palavras salvadoras: “Desce da cruz”. Não vale a pena tanto sacrifício, tanto trabalho, ainda mais por pessoas que não nos compreendem; por ideais que não vamos nunca alcançar. 


Que sugestão maravilhosa!, tão oportuna. Mas, assim como Jesus, não devemos atender a este apelo, pois, se queremos alcançar algum ideal, a primeira coisa a saber é o nível de dificuldade e os meios para enfrentá-la e
prosseguir firmes. Cristo prosseguiu e por isso, hoje, comemoramos com a mesma alegria sua morte e também a sua ressurreição.


Ele aceitou o desafio do Pai e rejeitou o desafio do homem, exatamente por amor a todos nós. Muitos dos que conviveram com Cristo achavam que o “descer da cruz” era a grande vitória, tanto é que se decepcionaram com a morte. A prova disto é que alguns disseram: “vamos pescar”; outros caminhavam desanimados para Emaús para recomeçar a vida. As mulheres, ao
terceiro dia, foram até o túmulo, na certeza de ainda encontrarem lá o amigo morto. Tudo era decepção.


Mas, para felicidade do mundo ele não desceu da cruz. Ele venceu morrendo, pois ressuscitou e mostrou a todos os indecisos uma nova perspectiva de vida.
Rev.Gerson



Sonda-me
Rev.Gerson Araujo
 “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno”. (Salmo 139:23)

A velha tia chegou de improviso para visitá-los e era conhecida pela maneira como reparava e criticava a arrumação dos cômodos. O nervosismo tomou conta de todos, especialmente da dona da casa, sra. Bornie Grau, que relata o curto diálogo que se sucedeu:

- O que vocês estão fazendo aqui?, perguntou a tia abrindo o quarto de despejo – vamos andar porque eu quero ver o porão!
- O porão está fechado para visitas, respondeu rapidamente a sra. Bornie, sabendo das “condições” em que ele se encontrava. E não permitiu que a curiosa tia pusesse os olhos naquela concentração de bugigangas.
Mais tarde, já refeita deste confronto, meditando sobre o ocorrido, veio-lhe à mente que fazemos a mesma coisa com Deus: Sempre abrimos a Ele as portas organizadas da nossa vida, fechando sempre os porões, onde temos muita coisa para esconder.

Ocorre que Deus insiste em abrir estas portas. Podemos permitir ou não que Ele entre. No salmo 139, Davi mostra, nos primeiros versículos, que Deus conhece tudo, se não, vejamos: “Senhor, tu de sondas e me conheces. Sabes quando me assento e quando me levanto; de longe penetras os meus pensamentos. Esquadrinhas o meu andar e o meu deitar, e conheces todos os meus caminhos. Ainda a palavra não me chegou à língua, e tu, Senhor, já a conheces toda. Tu me cercas por trás e por diante, e sobre mim pões a tua mão. 

Tal conhecimento é maravilhoso demais para mim: é sobremodo elevado, não o posso atingir. Para onde me ausentarei do teu espírito? Para onde fugirei da tua face? Se subo aos céus , lá estás; se faço minha cama no mais profundo abismo, lá estás também; se tomo as asas da alvorada e me detenho nos confins dos mares; ainda me haverá de guiar a tua mão e a tua destra me susterá...” E continua, mostrando que nada foge ao conhecimento de Deus. (recomendo a leitura de todo o salmo)

No entanto, no último versículo, mesmo reconhecendo que nada é escondido para Deus, o salmista insiste: “Sonda-me, ó Deus...”.
Deus nos conhece, mas nós não nos conhecemos. Existem coisas lá no fundo, lá no porão da nossa alma que precisam vir à tona.
Vamos ver algumas definições da expressão usada por Davi:

- Sonda: Ação ou resultado de sondar
- Conjunto de cálculos que revela a profundidade das águas
- Broca – perfura a terra para revelar a sua natureza
- Aparelho que se introduz no orifício de certos órgãos com o fim de reconhecer o seu estado, ou enviar alguma substância.
- Broca para perfurar poços de petróleo ou artesiano
- Vara de ferro utilizada para detectar contrabando, etc
Vê-se que em todas as ações o termo dá a idéia de PESQUISA EM
PROFUNDIDADE.

Os estudiosos do comportamento sabem que situações ocultas que vão ou estão situadas no inconsciente criam sérios problemas posteriores. Muitos dos nossos comportamentos atuais tem como causa estes elementos “enterrados” nos muitos dos nossos “porões”.

Os pais, muitas vezes, sem o saber, “programam” os estados e situações de seus filhos no futuro. Estas situações estão registradas dentro das pessoas. O terapeuta John Powel ilustra da seguinte maneira: “Possuímos dentro de nós um gravador portátil e a fita pode estar dizendo: “não precisa fazer nada, meu bem, a mamãe faz tudo por você”. Se esta
filhinha aprendeu reagir como eterna criança, vamos vê-la, no futuro, esperando que todos façam o seu serviço, que todos resolvam os seus problemas. O grito do pai pode estar no gravador: – “Você não presta prá nada!” Se a reação for de aceitação, vamos vê-la, na vida
adulta repetindo isto e... vivendo esta realidade”.

A pessoa com problemas em seu interior – não sabe por que, mas vive
na “defensiva”. Só escuta o que quer escutar, só vê o que quer ver. Não consegue crescer. Alguns, para compensar, se doam, são filantropos, mas de maneira viciada ou compulsiva. Parece haver uma necessidade que os deixa inquietos; alguma culpa ou ansiedade, que os leva a praticar uma boa ação atrás da outra. 

Daniel Schipani, em seu livro Angústia – citado pelo Dr. Ricardo Zandrino em seu livro Curar é também tarefa da Igreja diz: “À medida que alguém oculta o que faz, também oculta partes do seu ser; nega-se a revelar sua verdadeira identidade aos outros. O grandeperigo é que termina por desconhecer-se – produz crise de identidade acompanhada por
intensa angústia...” e vai por aí. 

A gente só sabe realmente sobre nós mesmos, aquilo que somos capazes de confidenciar a Deus e aos outros. Você já parou para pensar que os seus comportamentos são o resultado de coisas que estão no “porão” da personalidade e que precisam vir à tona?

Sonda-me, ó Deus! Problemas de infância, da adolescência...
Sonda-me, ó Deus! Problemas de relacionamento, falta de perdão, temperamento... E o versículo continua... “e conhece o meu coração; prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno”.

Diante deste apelo de Davi, o que fazer?
Por que aquela senhora não queria que sua tia visitasse o porão? Ela iria reparar, criticar... Muitas vezes pensamos que Deus também age assim. Possivelmente o nosso gravador interno faz vir à nossa mente aquela concepção de um Deus maldoso de que muitos pais se utilizam para disciplinar os filhos através medo.

Deus é muito mais compreensão, perdão, paciência e o único capaz de produzir a verdadeira limpeza de que necessita o “porão” da nossa vida.
Aconteceu comigo um fato interessante quando da preparação deste estudo. Era sábado e me dirigi para o Hospital Evangélico onde trabalho como Capelão. 

Como o plantão de final de semana cabia ao meu colega, fui para a minha sala bem quieto, necessitando de tempo e tranqüilidade para meditar e concluir o sermão. Torcendo para que ninguém aparecesse e para que o telefone não tocasse. Qual não foi a minha surpresa quando alguém bate à porta e, vendo que eu estava estudando, prometeu ser breve.

Conversamos bastante pois era uma pessoa muito conhecida. Teve sérios problemas com o seu marido ao longo dos muitos anos de casados. Admirei-me de não estarem separados e a questionei a respeito desta possibilidade. Na resposta à minha pergunta veio a conclusão que eu precisava. Disse-me ela: “Deus me fez esquecer as feridas para que pudéssemos manter nossa convivência”.

Podemos, portanto, abrir o nosso interior, certos de que Deus nos faz esquecer aquilo que nos machuca e, o mais importante, Ele também se esquece das nossas mazelas, dos nossos problemas, das nossas impertinências, razão pela qual Isaias registrou: “Eu, eu mesmo sou o que apago as tuas transgressões por amor de mim, e dos teus pecados não me
lembro”.(Is.43.25)

Vamos abrir o nosso porão? Para que sofrer mais e causar mais sofrimento? E que Deus nos abençoe!


AQUIETAI-VOS
Rev.Gerson Araujo

Há momentos em que somente quando conseguimos silenciar o nosso interior é que percebemos Deus e as soluções para muitas perturbações.Vivemos um momento especial.

A situação atual nos impõe excesso de informações, muita correria, muito barulho, além de uma quantidade  enorme de compromissos. E, na busca de soluções, mais barulho, mais corre-corre e, consequentemente, mais tensão.

No entanto, Deus tem uma recomendação que contraria tudo isto: “Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus” (Sl 40.10) E essa palavra é dita após uma descrição bem clara das circunstâncias em que Ele está presente: “Deus é o nosso refúgio e fortaleza, socorro bem presente nas tribulações. Portanto, não temeremos, ainda que a terra se transtorne e os montes se abalem no seio dos mares; ainda que as águas tumultuem e espumejem e, na sua fúria, os montes se estremeçam”.(Vers 11,2,e,3) .

Ocorre que não sabemos como nos aquietar, pois isto significa esperar, e a espera é sempre difícil. Não deveria ser assim, pois o que mais fazemos é esperar: um elevador, nossa vez diante do caixa do banco, nosso médico, ainda que com hora marcada, o começo de um espetáculo e muitas outras coisas no nosso dia-a-dia.Esperar é mais difícil do que andar, pois requer paciência. Mas Deus tem propósitos quando nos faz esperar. “O Senhor afirma os passos do homem bom...” (Sl 37.23) e as paradas também... anotação feita ao lado do trecho na velha Bíblia de George Muller.  A pessoa que tenta andar, abrindo caminho por entre as cercas que Deus colocou para que fique um pouco parada comete engano.

 Existe um princípio:“O homem nunca deve se afastar de onde Deus o colocou, enquanto a coluna de nuvem não se mover” (Referindo-se à coluna de nuvem durante a peregrinação no deserto em busca da terra prometida). A vitória muitas vezes é ficar parado, esperando. Isto, sim, é heroísmo.Mas, como conseguir? No livro de Jô 14.16 lemos: “Houve silêncio, e ouvi uma voz”. Deus quer falar-nos, basta que fiquemos quietos. Ocorre que ficar quieto não é apenas deixar de falar. É também deixar de ouvir as milhares de vozes que, diariamente, falam aos nossos ouvidos. As vozes dos preconceitos, do orgulho da cultura, dos amigos, do ambiente e até mesmo do inimigo, o diabo.

Há uma imagem muito bonita para expressar esta idéia: “A flor está feliz porque recebeu o orvalho da noite. Mas o orvalho não cai em noite de tempestade, assim como o orvalho da graça de Deus não cai sobre a alma que não pára quieta”. Vejamos o que diz Sadu Sundar Sing, místico cristão indiano: “A vida em toda criatura é uma realidade invisível, oculta. De modo que toda manifestação externa de vida não é senão sua manifestação parcial e operante.

 Quando o ateu fracassa na compreensão do que é a vida, atribui-a à matéria. Mas a fonte da vida é a vida e a matéria inerte não pode produzir vida. Somente aqueles que estão em íntima relação com a Fonte da vida odem compreender este mistério”. Aqueles que não possuem esta íntima relação se desesperam pois não sabem o que os espera. “O silêncio das regiões eternas me atemoriza” afirma Pascal, e Fulton Sheem assevera que o amor atual pelo barulho é um indicativo desta insegurança humana. Até as igrejas não estão livres desta tendência. As músicas excessivamente barulhentas podem ser significativas para explicar este fato. 

Este excesso não deixa de ser uma tentativa que determinadas pessoas fazem para escapar de si mesmas. Não gostam de estar a sós consigo, estão descontentes com elas próprias. Não querem ficar a sós com a sua própria consciência pois esta lhes repreende. Como vão ouvir a voz de Deus¿ São pessoas que amam só a si mesmas, e daí um paradoxo: odeiam estar a sós consigo mesmas.

O teólogo John Mackay diz magistralmente que, quando as pessoas vivem sem Deus, passam a viver sem elas mesmas. Não sabem quem são, de onde vem e para onde vão. Amam as multidões nas quais podem perder-se. E, porque a música e a tranqüilidade falam de paz, fogem delas. O silêncio as obriga a responder perguntas e elas não tem respostas. Muitas pessoas estão morrendo desta doença.

Alguém afirmou que nós morremos mais do que comemos do que pensamos. Eu acho que se morre mais do que se pensa do que do que se come. Estudos científicos têm mostrado que 30 a 50% dos casos de doença tem a ver com atitudes emocionalmente induzidas. Talvez seja por isto que um velho disse: “Não tenho medo de morrer, mas tenho medo de viver até a morte”. É claro que, depois de tanta insistência em esperar, em não andar, em não agir precipitadamente, muitos podem achar que podem ficar deitados em “berço esplêndido”, sem tomar qualquer atitude diante da vida.

Não há o que confundir e aqui um dos mais belos paradoxos do cristianismo: Paz e tranqüilidade não significam passividade ou indolência, mas uma quietude viva, nascida da confiança. Tensão quieta não é confiança, mas ansiedade reprimida.,A paz a qualquer preço é o lema dos pasmos. A segurança dos pasmados nada tem a ver com as bem-aventuranças dos pacificadores.

Pacifismo e comodismo são coisas completamente diferentes. O verdadeiro pacificador, o que vive interiormente esta paz, sabe que ela, muitas vezes, só pode ser preservada no meio dos conflitos. Ninguém é mais atormentado do que o que foge da luta à procura de paz. “Deixo-vos a minha paz”, disse Jesus, mas complementou...”não como o mundo a dá”.

Inatividade pode ser preguiça, mas nem sempre é paz; o silêncio pode ser covardia e a inércia pode ser medo. A paz verdadeira só se consegue através da luta. Por isto que o apóstolo Paulo se refere à “paz que excede a todo o entendimento...” Esta é a tranqüilidade dos que vivem a ressurreição. E, se vivem a ressurreição, é porque morreram na cruz com aquele que providenciou a paz.

O grande missionário Hudson Taylor ia para a Índia de navio quando este foi assolado por terrível tempestade. Escrevendo para outro missionário, sem se preocupar com as conseqüências daquele problema afirmou: “Apesar da aflição desta hora e dos grandes prejuízos, o primeiro pensamento Habacuque: “Todavia eu me alegrarei no Senhor e exultarei no Deus da minha salvação”.

Em vos converterdes e sossegardes está a vossa salvação e na tranqüilidade a vossa força. Portanto, “aquietai-vos...”diz o nosso Deus.


EU TE CONHEÇO?
 Rev. Gerson Araujo

“ Perguntou, pois, o Senhor a Caim: Onde está Abel, teu irmão? Não sei, respondeu ele, sou eu, por ventura, o guarda do meu irmão?

“Considero todas as religiões do mundo – Budismo, Cristianismo, Islamismo etc. – não só falsas como prejudiciais. Estou persuadido de que as religiões são nocivas, como estou de que são falsas. Considero-as como uma doença nascida do medo e como uma fonte de indizível sofrimento para a raça humana”. 

Palavras de Bertrand Russel, filósofo inglês, falecido há pouco tempo em seu livro “Porque Não Sou Cristão” Triste ouvir isto. Mais triste ainda é ver que o Cristianismo também está incluso entre as religiões que, a seu ver, tem sito prejudiciais e nocivas. No entanto, se formos suficientemente humildes para aceitar, veremos que alguma razão o grande filósofo tinha para emitir este conceito, pois ele próprio afirmou “viver alguns dos ensinos básicos de Cristo muito mais que muitos cristãos fervorosos”. 

Este conceito pessimista impõe uma análise. A pouca vivência do ensino básico de Cristo – Amar a Deus e ao próximo – tem sido ponto de partida para que os homens não vejam razão de ser no cristianismo. O quemais vemos nas igrejas é um apego profundo à contemplação (ausência quase total de açãodinâmica) e intolerância ( profundo desrespeito por aqueles que pensam diferentemente.O homem sempre quis agradar a divindade. Mesmo antes do cristianismo, entre as civilizações mais simples, este ideal metafísico presente a todo homem, sempre o levou a tentativas de contato com o infinito. Para isso, oferendas, sacrifícios, construção de templos, cultos, comemorações de data especiais, etc. Em relação ao cristianismo isto também tem acontecido. 

Estes aspectos do cultivo do contato Deus/homem não tem sido descurado por parte de todos os religiosos em todas as épocas. As igrejas, sejam elas quais forem, com seus cultos característicos, proliferam pelo mundo afora. Acontece que o mais importante não tem sido levado a efeito. O homem, objeto do amor de Deus tem sido deixado de lado. Para a grande maioria dos religiosos não importa que o homem esteja morrendo, passando fome, sendo vítima de injustiça, contanto que possam ter as portas das igrejas abertas para a realização de cultos, quase sempre desvinculados destas preocupações. 

Quando o homem não é totalmente esquecido, é encarado apenas como um ser espiritual, cuja felicidade está reservada para o futuro – para o céu. Nada de se comprometer com o homem de hoje, carne e osso, com os seus problemas, suas angústias e sofrimentos. Isto leva os crentes ao conformismo, acreditando que aqui é lugar de sofrimento e que a alegria está reservada apenas para após a morte. Daí Marx ter acusado a religião como “ópio do povo”. Dizem que Hitler, com suas terríveis pretensões políticas foi muito claro com os padres e os pastores: “ Preocupem-se com o céu, que da terra cuido eu”. “Nesta fixação de sua atenção apenas no futuro, o cristão é tentado a esquecer-se de que ele é no mundo “ministro da reconciliação”.

Olhando para a cidade eterna, com todosos seus privilégios, pode passar de largo pelo próximo abandonado pelos ladrões à beira daestrada”. Não podemos nos esquecer de que, no relacionamento Deus/homem existe duas dimensões e o considerar apenas uma delas, seja ela qual for, significa incorrer em erro: a dimensão espiritual, que leva em consideração a salvação do homem, e a dimensão temporal, que leva em consideração o homem em seu contexto atual. 

Estas duas dimensões são inseparáveis; separando-as anulamos a razão de ser da encarnação. Cristo pregou o evangelho e curou os enfermos. Ele evangelizou humanizando e humanizou evangelizando. Cristo veio, não resta dúvidas, para redimir os homens. A história da redenção se compara a um drama. No início, a criação do mundo como um ato livre de Deus. A criação do homem para a comunhão e dar glórias a Deus. No entanto, o homem preferiu a sua própria vontade e daí a emergência do pecado. Quebrou a comunhão, perverteu-se. Torna- se escravo e não consegue, por esforço próprio, reatar a comunhão. Deus mantém o seu propósito inicial, mas muda a ação para atingi-lo. Ele toma a iniciativa: envia Jesus Cristo, expressão máxima de sua obra redentora. Pela morte, Cristo é a evidência decisiva do que Deus fez pelo homem, de uma vez por todas. Este é o plano simples de Deus. 

Os homens, no entanto, o tomaram para si, criaram leis, exigências, padrões e outras complicações a mais. Esqueceram-se do principal: que Deus fez tudo isto pelo ser humano, objeto do seu amor. O que vale dizer que o nosso culto a Deus só deverá ser feito amando o homem. Aliás, João já dizia: “ se alguém diz: eu amo a Deus e odeia o seu irmão é mentiroso”. Os templos, por bonitos que sejam, podem ser apenas monumentos à contemplação. Podem significar apenas o “monte da transfiguração” e não a “planície”, onde, realmente, se encontra o homem sofredor.

Os próprios discípulos incorreram neste erro. Subiram ao monte e Cristo se transfigurou. Estava, naturalmente, um ambiente agradabilíssimo, tanto é que Pedro fez uma sugestão: “vamos ficar por aqui mesmo. Está uma delícia. Façamos uma tenda para Elias... etc. Jesus nem deu resposta. Desceram imediatamente e já encontraram um grave problema a ser resolvido. Sim, é na planície que vemos o quadro de miséria e sofrimento. A tentação é fugir da planície. Da planície dos desempregados, das prostitutas, das crianças abandonadas, dos doentes, das injustiças sociais, e de outras tantas.Mas – alguém objetando – a salvação é pela graça, não temos que tomar qualquer providência. Sim, biblicamente correto, nada ao contrário, no entanto, só aceitou a graça ou participa da graça aquele que é responsável pelo seu irmão. Ele não é responsável para receber, mas porque já recebeu.

Muitas vezes o engajamento em trabalhos religiosos só servem como fuga de umtrabalho produtivo em favor do outro. Nada nos falta – assim achamos – quando somosfiéis participantes de alguma entidade religiosa. E como Cristo é conhecedor do coração humano contou a famosa parábola do Bom Samaritano. E não foi sem intenção que Ele incluiu entre os que deixaram de atender o homem ferido exatamente dois religiosos: o sacerdote e o levita. 

Nossa dimensão humana terá sido diminuída quando não mais experimentamos a dor dos outros. O Cristianismo poderia ser ainda uma revolução como foi nos primeiros tempos. Alguém afirmou: “Quando os cristãos se decidem a serem cristãos, então logo começa uma revolução. Gandhi, apesar de não ser cristão, decidiu tomar uma atitude cristã – a de vencer o mal com o bem – e logo uma revolução se instalou.
Nas mãos de Gandhi o Novo Testamento é dinamite. Nas nossas mãos ele é apenas um soporífero”. Mateus registra que Jesus compadeceu-se ao ver as multidões...(9.36), o que na tradução original significa : “a dor que atravessou o seu coração”. “Jesus não podia ignorar a existência e a situação desse povo nem afastá-lo de si. De tal maneira sentiu o sofrimento do povo que com ele se identificou. 

Jesus não se tornou beneficente, mas tornou-se igual a ele. Viu-se nesse povo” (Moltmann) Toyohiko Kogawa, missionário japonês, é um homem que me impressiona. Fez um pretencioso pedido a Deus : “Senhor, faze-me como Cristo”. E o seu biógrafo foi forçado a dizer: “Parece que só Jesus fez mais do que Kogawa”.

Filho de uma união ilícita, foi abandonado na infância. Pobre e sem amor, passou a vida distribuindo amor. Leitor inveterado, converteu-se aos 15 anos. Dava tudo o que tinha aos miseráveis e famintos e passou a dividir o seu quarto com esfarrapados. Liderou uma greve em favor de um professor demitido e assumiu sozinho a culpa, pois sempre compreendeu teologia cristã como ação. Viveu durante 14 anos num barraco de favela, morou com um assassino que, para dormir, precisava ter sua mão segura. Recebia leprosos, sarnentos, tuberculosos, etc... São dele estas chocantes palavras: “Deus se encontra no meio da miséria e sofrimento. Deus mora entre os piores homens. Ele senta-se no chão com os condenados e com os delinqüentes ele vai, de porta em porta, pedindo pão. Ele se junta com os pedintes nas esquinas. Ele está entre os enfermos. Ele forma ombro a ombro com os desempregados diante dos escritórios de emprego. Portanto, aquele que quiser se encontrar com Deus, vá, antes à cadeia e depois ao templo. Antes de ir à Igreja, passe pelo Hospital. Antes de ler a Bíblia ajude um faminto à sua porta. 

Se visitar a prisão depois de ter ido à Igreja vai delongar o seu encontro com Deus. Se for primeiro à Igreja e depois ao Hospital vai adiar o seu encontro com Deus. Se não ajudar o faminto que está à sua porta e começar a ler a Bíblia corre o perigo de não mais encontrar a Deus porque ele já terá ido adiante, onde estão os miseráveis. Na verdade, aquele que se esquece do homem que sofre, esquece-se de Deus” Elie Wiesel, citado por Moltmann, sobre a matança dos judeus: “ Dois judeus e uma criança estavam sendo enforcados. Os homens morreram logo. A criança agonizou por algum tempo. Os prisioneiros eram obrigados a olhar. Então alguém atras de mim perguntou: “ Onde está Deus? e eu permaneci em silêncio. Meia hora depois clamou novamente: “Onde está Deus, onde?” Uma voz dentro de mim respondeu:” Deus está ali pendurado na forca”.


ENSINA-NOS A CONTAR OS NOSSOS DIAS  ( As estações da vida)

 Rev. Gerson Moraes de Araújo
       
  “Este é o dia que o Senhor nos fez, regozijemo-nos e alegremo-nos nele”.
(Sal.118:24)
            Tempo é coisa séria. Reconhecem isto aqueles que, por qualquer razão, já não dispõe mais dele. Aquela mulher chorava dizendo: “Se eu tivesse chegado um minuto antes, o meu filho não teria morrido”.
            Li num livro de contos Árabes a história de um homem pensativo, triste e que, ao ser inquirido, lamentou:” Acabo de perder a mais preciosa das minhas joias: Talhada com um pedaço da pedra da vida, confeccionada na oficina do tempo. Adornada com 24 brilhantes ao redor dos quais se agrupam 60 pedras menores”. E o pior, complementou ele, uma joia que, perdida, jamais se recupera”. Referia-se ele a UM DIA.
            Sem dúvida alguma o tempo é limitado, perpetuamente frágil. Por isto Tiago dá uma bela definição diante da pergunta: Que é a vossa vida? Um vapor que por um instante aparece e logo se desvanece" (Tiago 4.14)  E o salmista complementa: “Quanto ao homem, seus dias são como a relva; como a flor do campo assim floresce; pois soprando nela o vento, desaparece...” (Salmo 103. 14,15,16)
            Meditando nesta realidade Davi ora a Deus exclamando: “ Ensina-nos a contar os nossos dias para que alcancemos corações sábios” (Salmo 90.12)
            Eu entendo que “contar os dias”  significa aproveitá-los bem, vivê-los intensamente, isto é,  dar valor às prioridades.
            Deus não castigou o homem como merecia deixando-lhe o tempo, que pode organizar como lhe apraz, pondo cada coisa em seu devido lugar. E nos acalma, pela sua Palavra, mostrando que : “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu: Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou; tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar; tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de saltar de alegria; tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar; tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de deitar fora; tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar; tempo de amar, e tempo de aborrecer; tempo de guerra, e tempo de paz”(Eclesiastes1:1-8)
            Portanto “Este é o dia que o Senhor nos fez...”  Tem que ser vivido como se fosse o último. E, para isso:
            1.- ESQUECER O “ONTEM”.
            Não é apagar, pura e simplesmente, o passado, pois ninguém vive sem ele. Mas é não permitir que o passado interfira, causando problemas. Existem pessoas que passam a vida lamentando os infortúnios e as derrotas. Vivem a ruminar os momentos difíceis. É neste sentido que o ontem não pode existir.
            Carregam fardos e são atormentados por que não são capazes de perdoar, ou por não terem a sensação de que são perdoados, por Deus e, principalmente, por eles mesmos.
            Paulo oferece uma palavra de alívio quando escreve aos Filipenses; “Irmãos, quando a mim não julgo tê-lo alcançado, mas uma coisa faço: Esquecendo das coisas que para trás ficam, e avançando para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus”(3.13,14)
            Por estas razões temos condição também de repreender aqueles que passam a vida “cobrando o ontem” das pessoas, ferindo como uma faca afiada.
            2.- NÃO PENSAR NO “AMANHÔ
            Não no sentido de desleixo, de falta de previsão, mas seguindo um dos muitos conselhos do próprio Jesus: “Portanto não vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus próprios cuidados; basta ao dia o seu próprio mal” (Mat. 6:34) Se hoje é o meu último dia, para que a preocupação com o amanhã?  Eu não posso jogar o “agora” contra o “talvez”. Não devo me atormentar com problemas que jamais me afligirão.
            3.- AGRADECER POR “MAIS UM DIA”.
            Entender que ficar velho é um privilégio. Muitos moços de hoje, que exibem saúde de ferro e estrutura corporal invejável, não terão este privilégio. Portanto,  precisamos saudar o amanhecer com gritos de alegria, pois mais um dia é uma dádiva sem preço. Alegrar-se como o prisioneiro condenado à morte que ganhou  mais um dia de vida. Afinal, o dia de hoje é a nossa eternidade.
            4.- NÃO DESTRUIR A VIDA, DESTRUINDO O TEMPO
            Aqui na terra só dispomos de uma vida, que é uma medida de tempo. Desperdiçando o tempo, destruímos a vida. O minuto não mais retorna. Quem pode comprar um minuto? Como Capelão de um Hospital deparo-me muitas vezes com pessoas que pagariam uma fortuna por mais um instante de vida, por algum momento a mais de respiração.
            Daí a pergunta: Quanto custam as nossas próximas horas? Por isso precisamos fugir dos matadores de tempo, dos inúteis. Cortejar a inutilidade é roubar alimento, vestuário e calor das pessoas a quem amamos. Não podemos ser ladrões. “Este é o dia que o Senhor fez...”
            5.- FAZER HOJE OS DEVERES DE HOJE
            Marden, além de escrever, pintava. Pintou um quadro realmente interessante. Tratava-se de um corredor de 100 metros rasos, em plena corrida, cuja característica principal era o seu cabelo: um tremendo topete na frente e totalmente calvo na parte de trás. E na base do quadro o nome: oportunidade. Quando alguém questionava, por não entender a relação entre o nome e a figura ele, sorrindo, explicava: “A oportunidade é como este corredor, tão rápido que, se não o agarrarmos pelo topete, não mais conseguiremos, pois nossa mão deslizará pela parte lisa do resto da cabeça.
            Muitas pessoas perdem grandes oportunidades por agirem tardiamente. O Jornalista Hélio Fraga, no seu emocionante depoimento DECLARAÇÃO DE BENS, publicado nos grandes jornais do país relata o seu sofrimento por ter perdido seus dois filhos. Tudo porque deixou de atendê-los na ânsia de proporcionar para eles uma vida melhor, trabalhando dia e noite. E conclui: “Se o dinheiro não foi capaz de comprar a cura de um filho amado que se drogou e morreu; não foi capaz de evitar a fuga de minha filha que saiu de casa e prostituiu-se, e dela não tenho mais notícias, para que serve? Para que ser escravo dele? Eu trocaria, explodindo de felicidade, todas as linhas da declaração de bens por duas únicas que tive de tirar de dependentes: os nomes de Luiz Otávio e de Priscila. E como me doeu retirar estas linhas na declaração de 1986, ano base de 1985. Luiz Otávio morreu aos 14 anos e Priscila um mês antes de completar 15 anos”.
            Por esta razão é que temos de acariciar os nossos filhos enquanto são crianças, enquanto estão conosco, pois, amanhã eles terão ido embora, e não dá mais tempo.
            É por isso que temos hoje de envolver nossa esposa ou nosso esposo com beijos, carinhos, palavras doces, cooperação, pois, quem sabe do amanhã?
            Precisamos apoiar os nossos amigos antes que eles partam, pois ninguém mais suporta homenagem póstuma, acho que nem o morto.
            Em Gênesis 17.23 Deus dá uma ordem a Abraão, e ele a realizou “naquele mesmo dia, como Deus ordenara” . Obediência adiada é desobediência. A procrastinação tem provocado verdadeiros desastres.
            6.-  QUANDO DEUS FIZER PARTE DA ETERNIDADE DO NOSSO DIA
            Viver o dia intensamente é dar prioridade a Deus.  “...de eternidade a eternidade, tu és Deus, proclama o Salmo 90.2. O nosso dia será eterno quando vivermos o que Deus providenciou, em um só dia, em um só momento, de uma vez por todas, a nossa redenção pela sua morte na cruz.
            7.- MUITOS AINDA NÃO SE CONSCIENTIZARAM
            A parábola do rico insensato, dita por Jesus, registrada em Lucas 12:16-21, é uma grande realidade em muitas vidas. “ O campo de um homem produziu com abundância. E arrazoava consigo mesmo dizendo: Que farei, pois não tenho onde recolher os meus frutos? E disse: Farei isto: Destruirei os meus celeiros, reconstruí-los-ei maiores e aí recolherei todo o meu produto e todos os meus bens. Então direi à minha alma: Tens em depósito muitos bens para muitos anos: descansa, come, bebe, regala-te. Mas Deus disse: Louco, amanhã te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será? Assim é o que entesoura para si mesmo e não é rico para com Deus”.
            Razão pela qual aos jovens, este conselho: “ Lembra-te do teu criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os maus dias e cheguem os anos nos quais dirás, não tenho neles prazer” (Eclesiastes 12.1)  E a todos, este apelo: “Buscai ao Senhor enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto” ( Isaias 55.6)
            Concluindo:
            Encerro com uma frase, sem saber dizer o nome do autor:
            “Quem sabe que o tempo está fugindo descobre, subitamente, a beleza única do momento que nunca mais será”.